terça-feira, 24 de junho de 2014

Terra Fria de Manuel Alves


Uma octogenária em fim de vida recebe a visita de um padre aposentado, para a última confissão, e ambos revisitam o passado na esperança de exorcizarem demónios de consciência. Décadas antes, a mulher fora denunciada à PIDE por um bufo que depois desapareceu sem deixar rasto juntamente com o agente enviado para investigar a denúncia. Mas o demónio de consciência mais antigo nascera anos antes, dos escombros da Segunda Guerra Mundial, nas ruínas de um coração.

Terra Fria, destino de todos nós; ricos, pobres, bravos e cobardes. A todos nos espera, o que resta é o que somos no tempo que a pisamos...

Esmeralda, a coragem de uma mãe sem medo de ninguém...
Assim escreveu Manuel Alves na dedicatória. Ganhei este livro num passatempo feito pelo autor. Quem não arrisca não petisca e este livro é um banquete inteiro.

Escrito numa linguagem muito acessível, cuidada e rica, Manuel Alves conta-nos a história de Esmeralda. Uma mãe lutadora, destemida e de uma generosidade enorme. Esmeralda num dos piores momentos de sua vida, ajuda um homem desconhecido, procurado pela PIDE. Silvério é um homem bom e vai revelar-se um verdadeiro anjo da guarda na vida de Esmeralda e sua filha Minda.

Não vou revelar muito da história porque a cada página o autor vai soltando linhas que criam mistério e nos deixam curiosos para passar a página seguinte. Não quero estragar o factor surpresa. É uma história cheia de momentos fortes e inesperados, com personagens muito bem construídas,cheias de personalidade. 
É um romance histórico, passado numa aldeia de Vieira do Minho, durante a ditadura salazarista. Aldeia de gente simples e honesta, onde se destacam os corajosos num clima de medo e perseguição. Sem descrições exaustivas o autor consegue fazer-nos recuar mais de meio século e viver com aquelas personagens, sentir as suas vivências e sofrer as suas dores. 

Destaco entre as personagens; Quim, uma criança diferente e especial, por quem senti grande adoração, os seu lobos irão protagonizar dois dos mais impressionantes momentos da história; Silvério, amigo leal de Esmeralda e Minda, e pai de Quim, trabalha e terra fria e odeia de morte a PIDE (a qual pertenceu em tempos); Hilário, padre, é burro que nem uma porta e sempre que aparece acontece uma desgraça; Aida, cruel inspectora da PIDE, o diabo de saia; Minda, filha de esmeralda que se vê envolvida em duas mortes chocantes, tem a sorte de ter a melhor mãe do mundo; e por fim Esmeralda, a personagem principal, uma mulher inspiradora que comete o maior acto de amor que já li, uma mãe coragem que tudo faz para proteger a filha inclusive suportar a tortura da PIDE para que a sua filha possa viver em liberdade. 

Sou mãe e como qualquer mãe que ama os seus filhos, digo "faço tudo por ele", esse tudo é TANTO... o que Esmeralda suportou causou-me arrepios, emocionou-me e deixou-me sem ar em certas ocasiões. Aguentaria eu todo aquele sofrimento? Teria eu coragem para tomar aquela atitude tão drástica? 
Esmeralda não é só uma pedra preciosa, é rocha firme, pedra angular que o autor usou muito bem para construir esta magnifica história.

Manuel Alves sobe assim ao pódio dos meus escritores favoritos. As características que mais admiro nele são a imaginação, escrita simples mas cheia de sentimento e reflexões, os títulos dos capítulos (n'A invenção de um conto de fadas acho geniais) e algo que não sei explicar, têm a ver com o pensamento dos personagens, os pensamentos pertencem-lhes e não ao narrador. Se a Aida tem mau feitio os seus pensamentos estão cheios de sarcasmo e veneno, se o Pedro é uma criança cheia de imaginação os seus pensamentos são assim cheio de cores e invenções. 

Terra Fria está disponível apenas em ebook e pode ser adquirido por menos de 1€ na Kobo. Este livro vale muito mais do que 1€, recomendo a toda a gente. É um romance histórico, o que nos leva a conhecer um pouco mais a época e a história é fascinante. 

Curiosidade: O meu avô materno foi um dos muitos portugueses que atravessaram a fronteira a "salto" para ir trabalhar em França. Trabalhou na construção civil e sei que o trabalho era muito naquela altura. Nunca tinha associado a reconstrução pós-guerra. 

Alguém já leu este livro? Se não leram, façam o favor e depois contem-me tudo. Não estou a enganar ninguém. Vale muito a pena ler. 

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